CANTO INTERIOR DE UMA NOITE FANTÁSTICA
Sereno, mas resoluto
aqui estou – Eu mesmo – gritando desvairado
Que há um fim por que luto
Que há um fim por que luto
e me impede de passar ao outro lado.
Ante esta passagem de nível nada de fáceis transposições do lado de cá – pareça embora incrível –
e que me meço:
princípio e fim das multidões
Não quero tudo quanto me prometem aliciantes
Nada quero se para mim nada peço
O meu desejar é outro – o meu desejo é antes
Nada quero se para mim nada peço
O meu desejar é outro – o meu desejo é antes
O desejo dos muitos com que me pareço
Quem quiser que venha comigo
Nesta jornada terrena, humana e sincera
Nesta jornada terrena, humana e sincera
Mas se for só, ainda assim prossigo
No mar de tumulto, impelindo os remos sem galera
Que venham glaucas ondas em voragem
Que ardam fogos infernais
Que até os vermes tenham a coragem
De me cuspir no rosto e no mais
Que os lobos uivem famintos
Que os ventos redemoinhem furiosos
Que até os répteis soltem seus instintos
e me envolvam traiçoeiros e viscosos
Que me derrubem e arremessem ao chão
que espezinhem meu corpo já cansado
à tortura e ao chicote ainda responderei
NÃO
NÃO
e a cada queda – de novo serei alevantado
E não transportarei a linha divisória entre o meu e o outro caminho
Mesmo que a minha luta não tenha glória
Mesmo que a minha luta não tenha glória
é no campo de combate que alinho.
E assim continuarei a lutar, ai a lutar!
Num perigoso mar de paixões e escolhos
e – companheiros – se neste sofrer me virem [chorar
Não acrediteis em vossos olhos!
" António Jacinto 31/7/52
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